sexta-feira, 15 de maio de 2015

Richard Hawley - Truelove's Gutter



Aproveitando esse clima retrô deixado pelo escrito sobre o filme "A Rosa Púrpura do Cairo", tratarei sobre esse disco, que carrega um espírito similar. Trata-se de "Truelove's Gutter", do Richard Hawley. Ouvir esse álbum é como retornar ao passado, que é, ao mesmo tempo, tão presente...

Estava ouvindo-o (é o sexto da carreira do Richard Hawley) esses dias, viajando de ônibus, e vi nele um álbum pra viajar, mas pra dentro de si. A voz de crooner, as melodias e a sonoridade das guitarras abrem espaço para a divagação: podemos trazer para o presente o melhor do passado? É claro que sim.

Algumas faixas merecem uma atenção especial: "As the Dawn Breaks" é a primeira faixa, que dá um tom de melancolia que vai e volta ao longo do disco. Se essa cria um tom deprê, o sentimento explode em "Open up your door"; seu começo é simples, tímido e suave; , até crescer e explordir em cores e cordas. Lindo, exala um certo otimismo, uma mensagem positiva.


Temos "Remorse Code" como quarta faixa; novamente o clima do disco levanta após o tom triste de "Ashes on fire". Apesar de sua letra um pouco hermética, sua sonoridade remete às tardes de piquenique com a namorada, ou um reencontro com amigos após certo tempo: as coisas acontecem e o tempo passa sem nos darmos conta. Não é à toa que a música voa em seus 9:51.


"Soldier on" é uma música pesada, de letra forte, de tom ameaçador e que pode derrubar o ouvinte desavisado. É um caso que ocorre com frequência em músicas e artistas dos quais admiro: parece que o silêncio é mais ensurdecedor que as guitarras distorcidas e os gritos. 

Após "Soldier on" temos "For Your Lover Give Some Time", uma das músicas mais bonitas que existem: ela não cresce, mas sustenta os espaços silenciosos; podemos pensar nessa música no tom de "fumando um cigarro vendo o por do sol" e pensando...pensando, sem barreiras. 


Sobre o silêncio em suas canções, parece que tudo aquilo que suas músicas extraem de nós é fruto desse silêncio: a melancolia, a distração, a felicidade, o desconsolo. Não sei se é um álbum pra ajudarnos a se encontrar ou a se perder.

E como uma última curiosidade, a o título do álbum pode ser descrito como "a sarjeta do amor verdadeiro!" Talvez a sarjeta do amor verdadeiro seja composta dessas 'coisas' presentes no álbum: o silêncio, a dor,a alegria, o desespero, o encerrar e o recomeçar.

Pra finalizar, uma apresentação do Valentine's Day em 2013. Nessa, há músicas de outros álbuns e as duas melhores desse: "Open up your door" e "For Your Lover Give Some Time".


Boa audição.

A Rosa Púrpura do Cairo



Trataremos, no dia de hoje, do filme “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo), dirigido por Woody Allen e tendo como protagonistas Mia Farrow (no momento em que o filme foi rodado, 1985, ambos eram casados) e Jeff Daniels.

Ocorre que é impossível falar com frieza desse filme, que é um dos mais sublimes da carreira do diretor nova-iorquino. O sujeito hipocondríaco, neurótico, egoísta e cínico presente em vários filmes de Allen (e em alguns interpretados pelo próprio) dá lugar a uma personagem sonhadora, sofredora, doce e que deseja mudar de vida, apesar de todo o resto conspirar contra. Vale dizer que este é um dos filmes preferidos do próprio Woody Allen. E não é difícil entendermos o motivo.


Cecília, personagem interpretada por Mia Farrow vive nos Estados Unidos dos anos 30 devorados pela Grande Depressão; também lhe faz mal o marido, que é agressivo, machista, agride-a e troca-a por outras mulheres. Além do mais, o caráter de sonhadora lhe impossibilita viver bem num mundo prático como é o mundo da classe trabalhadora. Essa conjuntura nos pede praticidade, pensamento rápido e manejo diante das intempéries do cotidiano, o que dificulta a vida da nossa personagem.


Sua válvula de escape nesse mundo abandonado à própria sorte é o cinema, um filme em especial: "A Rosa Púrpura do Cairo". Ao assistir o filme péla quinta vez, o personagem Tom Baxter (interpretado por Jeff Daniels) resolve partir para uma nova aventura: ele sai do filme, vai ao encontro de Cecília e ambos partem apara um misto de aventura e doçura, que será sufocado pela realidade. Tanto que, com medo de que outros personagens decidam sair das películas nas quais estão, os diretores de cinema e das salas de cinema entram em contato com Gil Sheppard, o ator que representa Tom Baxter, para que ele convença Tom a voltar para o filme. Cecília se vê apaixonada por um duplo: ora o ator, ora o personagem. Essa paixão terá um fim trágico, exatamente por ser um fim tão comum.

Podemos pensar em pontos de vistas interessantíssimos ao assistir tal filme. Primeiramente, há várias duplicidades que nos chamam atenção: Cecília é dividida entre um mundo triste, sombrio e sem perspectivas e, por outro lado, um mundo recheado de glamour, aventuras e sonhos. Isto é: podemos pensar a personagem com um pé no mundo real e outro no mundo do cinema. E é curioso notar que o mundo real abastece o cinema de tudo aquilo que ele não é e gostaria de ser, enquanto o cinema, ainda que munido de todo o brilho que falta à realidade, se torna imperfeito exatamente pela sua perfeição. As cenas onde Tom Baxter e Cecília estão juntos mostram bem essa carência. Arrisco a dizer que se esse fosse um livro de Dostoiévski, a ênfase seria no sofrimento de Cecília diante de um mundo que não pode mudar; mas Woody Allen não aponta tanto para o sofrimento, mas para a vida.

Há outra duplicidade que vale a pena ser mencionada: enquanto o personagem Tom Baxter é romântico e idealista (tal como Cecília), Gil Sheppard é pragmático, utilitarista, tem preocupações materiais e reais. Os dois despertam paixão em Cecília e, posteriormente, o seu abandono. É a personagem de Mia Farrow que constrói uma ponte entre arte e realidade, descartando todo o sentimento trazido pelos dois em troca de um novo filme a estrear no cinema. De certa maneira, Woody Allen faz um mea-culpa: a arte, ainda que despertando tanta coisa boa no ser humano, é descartável de tal forma? 


Creio que ele responderia que não. E essa crença pode ser corroborada pelo próprio argumento do filme: é o cinema falando de si mesmo, são atores se interpretando e reinterpretando. Tal como em filmes como "A era do Rádio" e "tiros na Broadway" (espero escrever sobre eles no futuro), aqui a arte fala de si própria; simultaneamente, ela fala da vida, da nossa vida. Não precisamos viver nos EUA dos anos 30 para querermos entrar nos filmes recheados de aventuras para fugir de nossos patrões e nossa miséria (financeira e moral). Acaba que, também aqui, a Arte se torna uma desculpa para falarmos de nós mesmos. 

Será que fazemos o contrário de Dom Quixote, que se vê nas novelas medievais, e queremos viver nos filmes que assistimos cotidianamente? A resposta seria um expressivo "não". Ainda que munido de um brilho que a realidade nunca terá o cinema acaba ao seu final, enquanto que os momentos decisivos na vida podem surgir como novos recomeços, inclusive a partir de coisas como a arte. Se na arte encontramos um mundo melhor, a vida é o que nos permite caminhar. E é nessa dialética entre Arte e Vida que encontramos "A Rosa Púrpura do Cairo". Filme indispensável para quem é amante da Arte. E da vida!


Esse filme encontra-se disponível para download no Sonata Premiere: 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Gotan Project - Lunático

Uma professora da faculdade me apresentou o Gotan Project, no último ano do curso; estava cheio de dúvidas quanto ao álbum a postar, pois o primeiro, La revancha del Tango, é maravilhoso; mas Lunatico tem uma pegada firme e, na minha modesta opinião, merece tanto destaque quanto. Logo mais escrevo sobre o álbum de estréia.



Gotan Project é um projeto  francês constituído pelos músicos Philippe Cohen Solal (francês), Eduardo Makaroff (argentino) e Christoph H. Müller (suíço) e pode ser definido como um "tango eletrônico"; mas Lunatico é um álbum muito mais rico, as letras oscilam entre o amor pelo tango, a paixão que não deu certo e as inúmeras problemáticas políticas que cerca o homem. A primeira faixa, Amore Porteño, tem uma pegada melancólica e passadista, com baixo acústico, guitarra vintage e um piano que não marca, mas quebra o tempo da música. 


Diferente tem uma pegada eletrônica com forte brado estético e politizador: "En el mundo habrá un lugar / para cada despertar / un jardín de pan y de poesía. / Porque puestos a soñar / fácil es imaginar / esta humanidad en harmonía."; o bacana dessa canção é o tempo que a banda segura para que a dança se estenda; não há solos, não há vozes e a base se sustenta, e quem sabe dançar dança, quem não sabe sente o ritmo do "tango eletrônico". Abaixo, uma versão ao vivo, executada no Jools Holand (qualquer apresentação desse programa é de qualidade!)


Me confession é uma mistura de rap com tango, essa marcada por instrumentos elétricos e um vocal que não deixa nada passar. La viguela tem um violão duelando com a milonga, acompanhado por uma bateria bacaníssima. E, pra encerrar, temos Paris, Texas, uma mistura de tango com faroeste: música soturna, empoeirada, que fecha o disco de forma espetacular.


E pra quem não conhece os outros álbuns, fica a sugestão! Pra encerrar, uma versão ao vivo de Me Confession.




Procurando por Sugar Man



Como primeira postagem, falarei de um dos filmes que mais me chamaram a atenção até o momento: trata-se de 'Procurando por Sugar Man' (Searching for Sugar Man). 

O filme, do diretor Malik Bendjelloul é um misto de documentário e filme policial; nele, dois sul-africanos, fãs do músico Jesus Sixto Rodriguez, vão em busca de mais informações sobre o músico que tanto gostam. As perguntas que motivam os dois narradores do documentário são: quem é Rodriguez? Ele ainda grava discos? Ele está vivo? Se morreu, como se deu essa morte: suicídio, overdose, assassinato? Ele existe? 

A narração do documentário nos apresenta Rodriguez, um cantor folk de extremo potencial e lirismo, que chega a gravar dois álbuns no início dos anos 70, mas que é esmagado pelos gênios que surgem ao mesmo tempo. Por alguma ironia do destino, uns desses dois álbuns vão parar na África do Sul, aonde se tornam hinos da juventude antiapartheid. Graças ao filme, Rodriguez passa do ostracismo ao renascimento artístico, voltando ao esquecimento logo em seguida e, constantemente, transitando entre esses opostos. 



Podemos apreciar no filme uma generosa aula de história: seu pano de fundo é o Apartheid sul-africano aonde a censura era marcante, tendo em Rodriguez uma de suas vítimas (obviamente, a outra vítima da censura é o público), Rodriguez surge num grande conglomerado industrial dos Estados Unidos, a saber, Detroit. Também, após o filme, ficam algumas questões existenciais pendentes: quantos "Rodriguez" não tiveram a sorte desse nosso herói e acabaram por sucumbir diante dessa indústria, que 'vende' arte como se fosse qualquer outra coisa? 

Contudo o mais cativante do filme não é a aula de História, Geografia, Filosofia ou qualquer outra coisa. O filme é nos dá uma lição de vida sem cair em clichês, mas fazendo-nos observar nossa vida e perguntar: esses clichês realmente existem? Temos um documentário que trata da fama (ou da falta) de um artista que caiu no limbo da indústria, e ressurgiu posteriormente num país o qual nem imaginava ser conhecido, muito menos aclamado. Eis a primeira questão: há um destino que não nos deixa andar fora da linha, ou tudo é guiado por um grande acaso? 

Rodriguez vivencia uma "tragédia", pois é um artista de talento inigualável, mas que não consegue sobreviver num mundo artístico ao lado de Bob Dylan, Johnny cash e similares. É um artista que tem um filme dedicado a si próprio, mas no qual ele pouco aparece. Curiosamente, uma das partes mais marcantes do filme é quando nosso cantor é encontrado: a busca por ele se concretiza, e ela traz benefícios a todos que estão envolvidos nela: os narradores do filme, as filhas do músico, o público sul-africano. Todavia, o próprio não tem sua vida alterada em nada: ele é o homem comum, que canta as dores de homens comuns: desempregados, que sofrem por saudades da amada, e que desejam uma vida melhor. Surge aqui a segunda questão: qual o papel do artista: mudar a sua vida ou a vida de seu público? Ele chegará a ver os resultados de sua obra? 

Jesus Sixto Rodriguez viu, e nós também podemos ver e ouvir após um filme tão instigador como esse!



Nesse site, é possível encontrar o link para download do filme:
 http://sonatapremieres.blogspot.com.br/2013/02/searching-for-sugar-man_2251.html 

 (Sonata Premieres é um dos melhores sites atuais de armazenamento de filmes. Vale a pena conhecê-lo)